15 March 2010

Bicho Humano versus outros bichos

Bicho humano versus outros bichos
Carolina Maria Ruy

Cães e gatos tem sido frequentemente abandonados à própria sorte, morrendo de fome e sujeito às intempéries, na represa Billings, em Grajaú, entre Interlagos e Diadema, em um vale entre o mato e a represas. A mata dificulta a saída do animal, estes só conseguem sair se alguém o resgatarem com cuidado. Gatos, mesmo que tenham sido abandonados, ainda conseguem subir em arvores e às vezes saem. Os cães não. Eles acabam se perdendo na pequena mata, morrendo de fome e doenças. Existem muitas carcaças de animais já mortos.
Infelizmente esta não é uma situação incomum. A violência contra os animais vem de longe. É sabido que muitos abandonam seus cães nas estradas, nas ruas, filhotes nos lixos, ou os matam por (mórbido) esporte. É sabido que gatos são sacrificados por superstições ou por puro sadismo, que pássaros são abatidos por diversão, que cavalos são explorados até caírem mortos pelas ruas, isso sem mencionar alguns tipos de violências institucionalizadas como Rodeios, Touradas, circos, parques aquáticos entre outros. Onde quer que você esteja não é preciso ir muito longe para constatar casos deste tipo.
O que surpreende é que, mesmo com estas velhas histórias dos maus tratos aos animais, mesmo com todo mundo sabendo desta triste realidade, muitos ainda insistem em afirmar que o animal é o vilão e a raça humana, genérica e abstratamente, é a vítima.
A bola da vez é a lei que quer “criminalizar” o cão da raça Pit Bull. Ora, em primeiro lugar se quiséssemos eliminar todo tipo de sintoma de nossa sociedade neurótica, entraríamos em um esquema obsessivo de condenações e extinções. Criminalizar um cachorro é esconder uma triste realidade de violência e negligência social. É evidente que o comportamento de qualquer animal doméstico é reflexo de sua criação, de sua relação com seus responsáveis. Exterminar o Pit Bull não acabará com casos de ataques de animais às pessoas. Se exterminarmos todos os cachorros existentes no mundo, os sádicos se valerão dos gatos, e depois dos coelhos até, quando todos os animais forem perversamente condenados, o sádico usará seu próprio corpo para concretizar sua ganância pela dor e pelo sofrimento.
A vítima destes casos são duas – aquele que sofreu o ataque e o animal que, subvertido de sua natureza original, expressou um comportamento de um ser humano que o manipulou para isso. Um animal que expressa violência reflete a violência que ele mesmo sofreu. Só que nossa cultura antropocêntrica não nos deixa ver os animais, bem como o conjunto da natureza, como seres dotados de autonomia, com dinâmicas e necessidades próprias. A cultura antropocêntrica, que, grosso modo, entende o ser humano como centro do universo, nos impede de entender que o ser humano existe ao lado, e não acima, dos outros seres da natureza. Se o nosso grande diferencial é a racionalidade, a consciência, a criatividade e a capacidade de produzir coisas e constituir uma complexa sociedade, cabem a nós, humanos, nos ajustar da melhor forma no mundo e buscar o melhor caminho nesta vida.
Entretanto, as construções humanas, as edificações, as cidades, acabaram com os espaços para vivência dos animais. A competitividade imposta pela formação socioeconômica e pelo espírito do capitalismo, nos fez mais insensíveis, menos acolhedores, tendemos a projetar nos animais nossa própria deformação moral. Nos vemos, agora, diante da responsabilidade de absorver e administrar a convivência com animais. Sozinhos eles não podem se adaptar nos espaços criados por nós humanos.
O triste quadro da represa Billings revela o lado mais atrasado e obscuro da humanidade. Uma protetora que esteve no local relatou três casos dramáticos: o de uma cachorrinha que viu seu dono se suicidar na represa e permaneceu lá deitada esperando por ele, o de uma cachorra da raça cocker com tumor no ouvido e o de um pequeno basset com o olho pendurado que, segundo pessoas do local, foi atirado do carro em velocidade. Existem também cachorras no cio propensas a se reproduzirem neste cenário desolador.
Por lá também existem pessoas boas e que amam os animais, mas não tem condições de cuidar deles. Foram estas boas almas que chamaram a atenção para o caso e pedem ajuda. Alguns animais já foram resgatados. Mas as protetoras não dão conta, pois as pessoas não param de abandoná-los no local.
Cabe dizer o óbvio. Criar um animal requer compromisso, afeto e responsabilidade. Compromisso, afeto e responsabilidade: conceitos essenciais que transformaram o bicho homem na raça humana.
Carolina Maria Ruy

12 March 2010

A QUARESMA

A QUARESMA

A palavra Quaresma vem do latim para quadragésima e é utilizada para designar o período de quarenta dias que antecede a festa ápice do cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de Páscoa, prática esta que data desde o século IV. Na quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas e termina na quinta-feira da Semana Santa, os católicos realizam a preparação para a Páscoa. O período é reservado para a reflexão e a conversão espiritual, ou seja, o católico deve se aproximar de Deus visando o crescimento espiritual e é neste período, em especial, que os fiéis são convidados a fazerem uma comparação entre suas vidas e a mensagem cristã expressa nos Evangelhos. Esta comparação significa um recomeço, um renascimento para as questões espirituais e de crescimento pessoal. O cristão deve intensificar a prática dos princípios essenciais de sua fé com o objetivo de ser uma pessoa melhor e proporcionar o bem para os demais. Essencialmente, o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os cristãos se recolhem em oração e penitência a fim de preparar o espírito para a acolhida do Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa. Todas as religiões têm períodos voltados à reflexão, eles fazem parte da disciplina religiosa e cada doutrina tem seu calendário específico para seguir.

A Quaresma dura na verdade 47 dias, uma vez que no calendário litúrgico os domingos não são contados, perfazendo então 40 dias. A duração da Quaresma está baseada no simbolismo do número quarenta na Bíblia, o número quatro simboliza o universo material e os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na Terra, com suas provações e dificuldades. Nesta, fala-se dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou o exílio dos judeus no Egito…

Cerca de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com três dias de oração, meditação e jejum. Por volta do ano 350 d. C., a Igreja aumentou o tempo de preparação para quarenta dias e assim surgiu a Quaresma. A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência, o que explica o fato das imagens católicas serem cobertas com um manto roxo nesse período. A Igreja católica propõe, por meio do Evangelho proclamado na quarta-feira de cinzas, três grandes linhas de ação: a oração, a penitência e a caridade. Não somente durante a Quaresma, mas em todos os dias de sua vida, o cristão deve buscar o Reino de Deus, ou seja, lutar para que exista a justiça, a paz e o amor em toda a humanidade.

Curiosidade: Você sabia que a data da quaresma e do carnaval é determinada pelo Vaticano? Sabemos que o carnaval e a quaresma caem todos os anos em datas diferentes, pois são regidas pela Páscoa que é também uma data móvel. No entanto, poucos sabem que o dia de Páscoa é estabelecido pela Igreja há séculos. No Brasil podemos conhecer essa data estabelecendo o primeiro domingo depois da primeira Lua Cheia de outono, que ocorre no dia ou depois de 21 março (a data do equinócio). Entretanto, a data da Lua Cheia não é a real, mas sim a definida nas Tabelas Eclesiásticas. É preciso localizar o primeiro domingo depois da primeira lua cheia da primavera de Roma (hemisfério norte) usando os critérios gregorianos. A igreja, para obter consistência na data da Páscoa, decidiu, no Conselho de Nicea em 325 d.C., definir a Páscoa através de uma Lua imaginária conhecida como a “lua eclesiástica”.

Sendo assim, levando em consideração esse estudo, chego à conclusão de que os Terreiros de Umbanda que fecham suas portas no período de quaresma por seguirem uma conduta católico-cristã estão, no mínimo, agindo de forma equivocada pois se nesse período deve-se potencializar o sentido da oração, da penitência e da caridade, então a lógica é, mais do que nunca, ABRIR as portas dos Terreiros e colocar tudo isso em prática. Afinal, sabemos que não há momento de maior exteriorização e vivência da oração, da penitência (mesmo a Umbanda não tendo como prática a penitência) e da caridade do que dentro de um Terreiro exercendo nossa religiosidade, espiritualidade e caridade, sem falar no trabalho que nos propusemos a realizar.

E aqueles Terreiros que fecham apenas por seguirem uma tradição ou pela oportunidade de ‘descanso’, saibam que, mais do que nunca, é nesse período que as pessoas mais estão precisando da ajuda dos Guias Espirituais Superiores que são manifestados através dos médiuns umbandistas, afinal na festa de carnaval acontecem muitos casos de uma verdadeira ativação do baixo astral e muitas vezes o próprio médium se permite atos profanos, desequilibrados e extremamente negativos neste período.